No módulo de CLC tivémos uma apresentação feita por uma das nossas colegas que nos apresentou o ciclotrão! Afinal ela já quase que o trata por tu...
“Mas, afinal, o que é o ciclotrão?”
![]() |
Ciclotrão |
O “barrilzinho cheio de fichas” que pode ver nas fotos e nas imagens da televisão é o exterior de um espaço hermeticamente fechado… essencialmente vazio!
![]() |
Exmo. Presidente da República Prof. Dr. Cavaco Silva e Prof. Dr. Adriano Rodrigues |
Através do topo, um acesso especial permite a introdução de hidrogénio, o átomo mais simples, cujo núcleo é apenas um protão (como sabe, a partícula elementar positiva). A finalidade primeira do ciclotrão é conferir aos protões uma alta velocidade, o que é conseguido através de um campo eléctrico (a atracção positivo-negativo!). Por isso os físicos se referem ao ciclotrão como “acelerador de partículas”.
Uma importante particularidade do ciclotrão é o facto de, nele, as partículas não acelerarem em linha recta, pois essa solução obrigaria a grandes dimensões para permitir atingir a velocidade desejada, como acontece em muitos aceleradores em laboratórios estrangeiros que por vezes são notícia.
Ao invés, enquanto aceleram, as partículas no interior do ciclotrão vão descrevendo uma trajectória em espiral a partir do centro, como círculos cujo raio vai crescendo à medida que vão ganhando velocidade, um pouco à semelhança de uma pedra numa funda como a que David utilizou para derrotar Golias. Uma enorme bobine à face interior do ciclotrão desempenha um papel similar ao de um imã, criando um campo magnético, que é decisivo para que se mantenha aquela trajectória. Graças ao vácuo (o vazio!) quase perfeito que existe dentro do ciclotrão, as partículas podem percorrer a trajectória livremente, sem perturbações nem choques com outras partículas ou moléculas.
Atingida a velocidade desejada, as partículas são extraídas da sua trajectória espiral ao atravessar numa folhinha de grafite muito fina, estrategicamente colocada. E, consequentemente, os protões a alta velocidade são encaminhados para um reservatório. Este reservatório, conhecido por alvo, situa-se já no limite exterior do ciclotrão, e contém a substância que, de facto, se pretende seja atingida (a palavra técnica é irradiada) pelos protões.
No caso mais comum, a substância irradiada é água, muito pura e cuidadosamente seleccionada para que o oxigénio que a constitui seja a variante mais pesada que existe na natureza, razão pela qual muitas vezes se diz tratar-se de “água pesada”. Ao ser atingido pelos protões a alta velocidade provenientes do interior do ciclotrão, o oxigénio da água transforma-se em flúor, mais especificamente num tipo (ou isótopo, utilizando linguagem científica) de flúor chamado flúor-18. Como esta transformação se dá no núcleo dos átomos, diz-se que se realiza uma reacção nuclear, e muitas vezes podemos ler descrito de forma simplificada: “o ciclotrão é um acelerador de partículas em que se produzem reacções nucleares”.
O flúor-18, assim produzido no ciclotrão, é radioactivo. Este epíteto provém do facto de vir a sofrer nova transformação, chamada decaimento, em que emite um positrão, uma partícula em tudo igual a um electrão, mas de carga positiva. É o positrão que vai permitir imagens de determinada região do corpo, através de uma técnica conhecida por PET, acrónimo inglês para Tomografia por Emissão de Positrões e que também é utilizado para designar o próprio aparelho, o tomógrafo, que permite a obtenção da imagem.
Nesta técnica, o flúor-18 é ligado a uma molécula de glicose (açúcar) através de um processo químico realizado num aparelho automático e autónomo chamado módulo de síntese. É a glicose contendo este flúor especial (conhecida por FDG, a sigla da sua fórmula química) que será administrada aos pacientes a examinar. Posteriormente, o tomógrafo PET permite determinar, nesses pacientes, a localização do positrão emitido pelo flúor-18 e, portanto, os locais de acumulação de glicose. Tendo em conta que uma acumulação excessiva de glicose numa determinada região do organismo é indiciadora de um hipermetabolismo das células correspondentes, o exame de PET identifica as regiões em que a função celular se encontra alterada, no caso, exacerbada. E assim é possível identificar disfunções como tumores, ainda antes, e independentemente, de eventuais alterações morfológicas.
![]() |
Câmara Pet |
O ciclotrão é, assim, o equipamento essencial que permite a produção das substâncias que serão utilizadas nos exames PET: o flúor-18 que utilizei como exemplo, e muitas outras, usadas para estudar diferentes metabolismos e processos fisiológicos. Muitos destes estudos só são mesmo possíveis quando se dispõe de um ciclotrão na proximidade, pois o tempo de vida das referidas substâncias é tão curto que inviabiliza que sejam produzidas em locais distantes dos tomógrafos. Por isso, no nosso país, até ao presente, só podíamos realizar exames e estudos em PET que se baseassem na utilização do flúor-18, pois o ritmo a que se dá o seu decaimento (caracterizado pelo tempo ao fim do qual já só dispomos de metade da quantidade inicial, e que para o flúor-18 é de quase duas horas) torna viável a sua aquisição a um dos vários centros que possuem ciclotrão existentes em Espanha.
Muitas outras substâncias têm utilidade clínica demonstrada, mas uma tão elevada taxa de decaimento que apenas permite a sua utilização nas imediações do ciclotrão. E é na produção não só de flúor-18, mas de todas estas substâncias, que reside a mais-valia de dispormos de um ciclotrão no nosso país.
![]() |
Presidente da República Cavaco Silva, Director do ICNAS Adriano Rodrigues e Reitor da Univ. de Coimbra Seabra Santos |
Termino com um voto, que é também o desafio e a responsabilidade que sinto, de que este ciclotrão venha a realizar todas as suas potencialidades, viabilizando exames até agora impossíveis de realizar em Portugal, em oncologia, em cardiologia, no estudo de demências, e tantos e tantos outros.
E que, enfim, sirva as pessoas.
Sem comentários:
Enviar um comentário